September 8, 2023
Esse conteúdo é de propriedade intelectual do Sindag
Confira o que faz aviões, helicópteros e drones serem tão importantes para a sustentabilidade no campo e porque é necessário aprofundar debate para combater o preconceito sobre essas ferramentas
Essencial para a agricultura e para a própria sustentabilidade em campo, o uso de aeronaves e drones nas lavouras é cercado de preconceitos embasados na falta de conhecimento sobre o setor, muitas vezes pelo discurso político. Em última instância, como é sempre vista e pouco conhecida, é possível afirmar que, ironicamente, o setor aero agrícola sofre por sua própria transparência. Porém, trata-se de um setor com uma longa trajetória de pioneirismo, desenvolvimento tecnológico e aprimoramento de sua segurança.
A aviação agrícola existe no mundo há mais de 100 anos – tendo surgido nos Estados Unidos em 1921. No Brasil ela existe desde 1947 e está presente também na Argentina, México, Cuba, Uruguai e praticamente toda a América Latina, além do Canadá, Austrália, Nova Zelândia, China, Rússia, Israel, África do Sul e diversos outros países. O Brasil tem a segunda maior frota do setor, com mais de 2,5 mil aeronaves, atrás apenas dos Estados Unidos, que tem em torno de 3,6 mil aviões e helicópteros operando em plantações.
São aeronaves que realizam o trabalho tanto do manejo de lavouras (com produtos químicos ou biológicos), quanto na semeadura e até o combate a incêndios em vegetação. Em outros países – como Estados Unidos (que conta com tecnologia brasileira nesse setor), nossa vizinha Argentina e até na Espanha, a aviação também é encarregada do combate a doenças em cidades cujos vetores são insetos (dengue e malária, por exemplo).
No caso dos gafanhotos, desde a década de 1990 o setor aero agrícola integra as estratégias da Organização das Nações Unidas (ONU) para o combate às nuvens desses insetos na África. A exemplo das grandes operações ocorridas em 2020, quando Somália, a Etiópia, Eritreia, Djibouti e o Quênia, além do Iêmen (na Península Árabe) passaram pela maior praga de gafanhotos em 25 anos. Situação em que as operações aéreas ajudaram a evitar perdas de lavouras que alimentavam 42 milhões de pessoas em uma das regiões mais pobres do planeta.
Lembrando que a praga de 2020 teve como pano de fundo a questão climática que quase se refletiu da mesma maneira aqui no Brasil. Foi o ano em que nuvens gigantes de gafanhotos na Argentina circularam bem próximo da fronteira do Rio Grande do Sul, colocando nosso país em emergência fitossanitária. E o Sindag ajudou na elaboração da estratégia para uma eventual resposta, em conjunto com o Ministério da Agricultura e a Secretaria de Agricultura gaúcha. Com o setor colocando mais de uma centena de aviões à disposição das autoridades e técnicos governamentais para o caso da necessidade de uma ação direta contra os insetos.
O episódio também chamou a atenção para o fato de que o governo brasileiro não ter na época um plano de contingência (que foi então construído com a participação do Sindag) para um cenário que, na verdade, se repete todos os anos em nossos países vizinhos. Tanto que desde o século 19 a Argentina possui um serviço de monitoramento dos agrupamentos de insetos que surgem na área do Gran Chaco (na região da tríplice fronteira do país com o Paraguai e a Bolívia),prevendo o combate (inclusive com uso da aviação agrícola) às nuvens que eventualmente se deslocam para o sul, avançando sobre a produção agrícola.
Falando em operações conjuntas, desde os anos 1960 a aviação agrícola tem entre suas prerrogativas legais o combate a incêndios em vegetações. Missão em que atua desde os anos 1990 no apoio a órgãos federais e estaduais na proteção das principais reservas naturais do país. Sem falar no auxílio a produtores rurais para o combate às chamas em lavouras – protegendo instalações e os brigadistas em solo, bem como evitando o alastramento do fogo para áreas naturais.
Tanto que em 2021 o setor aero agrícola lançou quase 20 milhões de litros de água contra chamas em operações contra incêndios em todo o país, o que envolveu uma força de mais de 30 aeronaves atuando em áreas de Pantanal, Mata Atlântica, Cerrado Nordestino e até no Pampa gaúcho, entre outras áreas naturais, além de lavouras principalmente no Centro-Oeste e Sudeste do país. Com situações dramáticas onde a ferramenta foi essencial para barrar o avanço do fogo sobre áreas com animais encurralados ou para lhe garantir um corredor seguro para fora de zonas críticas, além de ter protegido residências e pontos fora do alcance imediato dos brigadistas em terra.
Não por acaso, no ano seguinte foi publicada a Lei Federal 14.406/22, que coloca a aviação agrícola nas políticas governamentais contra incêndios. O dispositivo é resultado do projeto de Lei 4.269, de 2020 (outro ano que teve grande atuação dos aviões agrícolas contra focos de incêndio no Brasil), do então senador Carlos Fávaro (PSD/MT), que hoje é o titular do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
E, no caso tanto de gafanhotos quanto de incêndios, vale lembrar que a incidência tanto da praga quanto do desastre natural sofre influência do fator aquecimento global.
Para as nuvens de insetos, seu alcance é determinado por correntes de ar quente que estimulam seu voo a longas distâncias em busca de alimento (leia-se vegetação nativa e, especialmente, lavouras. Para nós, isso significa maior risco de se repetir ou agravar o quadro de 2020.
Já sobre as queimadas, a mostra mais recente do problema é o que está ocorrendo no Canadá, onde chegaram a ser detectados mais de 400 focos de incêndios por semana. E, só nos primeiros sete dias de julho, foram 650 incêndios ativos no país. O que mobilizou dezenas de aeronaves e precisou do reforço de mais de mil bombeiros – além de unidades locais, equipes enviadas por diversos países: México, Itália, Portugal, Espanha, França, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Costa Rica, Chile e Coreia do Sul.
E, no dia 9 (domingo), o Canadian Interagency Forest Fire Centre, já informava a existência de nada menos do que 860 focos de incêndios ativos. Em uma devastação que já havia atingido 9,3 milhões de hectares de florestas no país.
Sobre a segurança em campo, antes de tudo é importante reforçar que a aviação agrícola utiliza tanto produtos químicos quanto biológicos em suas operações. E os mesmos produtos utilizados em operações aéreas são aplicados também por equipamentos terrestres, aumentando assim o risco de contaminação dos operadores. O risco de deriva nesses casos podem até ser maiores, que é quando o produto se desvia do alvo por não terem sido observados os parâmetros ideais de velocidade do vento, temperatura ambiente e umidade relativa do ar. Aliás, quanto aos parâmetros climáticos, a aviação leva vantagem aí pela sua velocidade – já que consegue realizar toda a operação antes que se feche a janela climática para o trabalho.
A aviação mais regulada do planeta…
O setor aero agrícola brasileiro é provavelmente o mais regulado do planeta, além de ter o quadro técnico mais completo e contar com tecnologia de ponta.
Sobre isto, aliás, o Brasil é o segundo maior mercado mundial para fornecedores de tecnologias embarcadas de ponta. Tendo a indústria nacional voltada para tecnologias embarcadas atingido uma expertise que já a alçou ao status de FORNECEDORA de tais tecnologias para mercados exigentes, como o dos Estados Unidos. Abrangendo desde bicos e barras de pulverização até sistemas automáticos de abertura e fechamento dos mesmos – neste caso, conectados com o DGPS que, além de guiar o piloto com precisão de centímetros em cada faixa, determina o ponto exato de entrada e saída do limite de aplicação, tendo ainda o registro de toda a operação. E abrangendo também comportas especiais para combate a incêndios.
Para completar, o Brasil é o único país no mundo que já consegue ter praticamente um terço de sua frota de aviões agrícolas movida a etanol – ajudando a reduzir drasticamente a pegada de carbono do setor agrícola do país (cuja maior parte dos equipamentos em campo ainda queimam diesel),com aeronaves Ipanema, fabricadas pela Embraer.
… e a única ferramenta com regulação própria no país
Dentro do Brasil, a aviação agrícola é a ÚNICA ferramenta que conta com regulamentação específica e ampla para seu funcionamento. Isso desde os anos 1960, atualizada nos anos 1980 e diversas vezes complementada e modernizada desde então. Aliás, passando por mais uma atualização atualmente em seu regramento junto à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Regramento que segue exigindo, por exemplo (para aeronaves tripuladas e drones), qualificação técnica específica para seu pessoal, registro de todas as operações, tecnologia de ponta e equipamentos homologados e outros itens.
O piloto agrícola precisa ser primeiro piloto comercial e somar no mínimo 370 horas de voo para entrar no curso que o habilita ao setor aero agrícola, onde ele vai aprender sobre toxicologia, meio ambiente e outras matérias, bem como as técnicas de voo a baixa altura. Além disso, a coordenação das operações em campo precisa obrigatoriamente estar a cargo de um engenheiro agrônomo, e cada uma delas precisa ter in loco, na equipe de solo, um técnico agrícola com especialização em operações aéreas.
Ou seja: na aviação agrícola, as equipes envolvidas em cada operação em campo são formadas quase totalmente por técnicos.
Inclusive no caso de drones agrícolas, onde o operador precisa ter curso de aplicação aero agrícola remota (CAAR), ministrado por entidade ou empresa de ensino autorizada pelo Mapa. Além disso, as operações precisam ter um engenheiro agrônomo ou florestal como responsável técnico e a aeronave precisa estar cadastrada na Anac e no Ministério da Agricultura. Isso desde 2021, segundo a Portaria nº 298/21, que vinha sendo discutida desde 2018.
Todos esses profissionais são devidamente identificados no relatório detalhado (inclusive assinam o documento) que é obrigatoriamente elaborado para cada operação, onde também vai discriminado desde o tipo de produto aplicado, regulagem dos equipamentos para sua aplicação, localização georreferenciada da lavoura tratada, condições atmosféricas na hora da aplicação e outras informações. Essa documentação tem ainda o arquivo do DGPS da aeronave – uma espécie de GPS muito mais rápido do que os dos automóveis e com precisão de centímetros que, além de orientar o piloto, registra exatamente cada passada do avião sobre a lavoura e até onde fez chamado “balão”, e onde ele estava com os bicos abertos ou fechados. Em alguns modelos o próprio DGPS faz a abertura e o fechamento automático do sistema de aplicação, liberando o piloto para se preocupar apenas com o voo em si, além de registrar todo o serviço realizado em um mapa digital inviolável – que é anexado aos relatórios que ficam à disposição dos agentes fiscais.
Os originais desses relatórios operacionais ficam obrigatoriamente arquivados por dois anos na base da empresa, à disposição de qualquer fiscalização. Enquanto seus resumos são obrigatoriamente enviados todos os meses, desde os anos 1980, ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
E desde os anos 1990 uma das principais demandas do Sindag tem sido justamente a de que esses dados (então enviados em papel) fossem processados e tornados públicos. Não só por uma questão de transparência e para combater estereótipos, mas permitindo também a elaboração de políticas para o setor – já que se saberia qual a área exata atendida pela aviação agrícola (totais e por tipo de operação, lavoura, Estado ou até município), tipo de produtos aplicados, quais equipamentos embarcados mais utilizados etc.
Porém essa demanda começou a ser atendida de fato no ano passado, com a entrada em funcionamento de uma plataforma de envio eletrônico dentro do Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários (Sipeagro) do Mapa. Mas devido a limitações na ferramenta, o Ministério criou um caminho para envio dos dados via Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do órgão.
Agora a esperança é de que ao menos os dados daqui para frente passem a gerar relatórios minuciosos – mostrando a real situação do setor aero agrícola brasileiro, permitindo avaliar tendências e construir rumos. Um passo adiante importante para a ferramenta, que segue sendo a única que permite esse nível de informação sobre tudo o que faz em campo.
Aliás, lembrando que o Relatório Operacional é obrigatório também para operadores de drones, segundo a normativa de 2021 do Mapa.
As obrigações da aviação agrícola abrangem ainda a necessidade de cada empresa ter seu pátio de descontaminação. Neste caso um espaço com piso impermeável onde a aeronave é lavada (descontaminada) depois de cada operação e a água dessa lavagem vai para um sistema de tratamento de efluentes – com aplicação de ozônio para quebra das moléculas dos agrotóxicos e seu envio para um tanque de evaporação. Tudo impermeabilizado para evitar contaminação do solo.
No caso do pátio de descontaminação, o Mato Grosso foi o único Estado que chegou a exigir tal estrutura dos aplicadores terrestres, através do Decreto Estadual nº 2.283, de 9 de dezembro de 2009 – este, por sua vez, regulamentava a lei estadual nº 8.588, de 27 de novembro de 2006, que dispõe sobre o uso, a produção, o comércio, o armazenamento, o transporte, a aplicação, o destino final de embalagens vazias e resíduos e a fiscalização de agrotóxicos.
O Decreto previa, em seu Artigo 36 e respectivos parágrafos, que pessoas físicas ou jurídicas que operassem pulverizadores terrestres teriam que contar com pátio de descontaminação nos moldes do exigido da aviação agrícola pelo Ministério da Agricultura (através da Instrução Normativa 02/2009, que segue em vigor). A norma estadual ainda determinava que os agricultores ou aplicadores terrestres teriam prazo de um ano para se adaptar à regra.
A norma foi revogada dois anos depois, sem que nenhum aplicador terrestre tivesse se adaptado a ela.
CONFIRA NO FINAL DO TEXTO A LISTA DA LEGISLAÇÃO QUE ABRANGE O SETOR AEROAGRÍCOLA
Além do vasto regramento sobre si, o setor aero agrícola é fiscalizado diretamente pelos Ministérios da Agricultura (Mapa) e do Meio Ambiente (através do Ibama), além da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), secretarias estaduais de Agricultura e de Meio Ambiente, além do próprio Ministério Público e outros órgãos, bem como os Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (Creas) e prefeituras.
Para completar, o próprio Sindag tem fomentado um olhar mais atento das entidades reguladoras sobre o setor, com foco em três frentes de ação:
► Clareza nas doutrinas e procedimentos, com nivelamento de informações sobre entendimento da regulamentação em todas as esferas e clareza para o próprio operador sobre suas obrigações. Isso gerou inclusive a criação do Sistema Nacional de Documentação da Aviação Agrícola (Sisvag), pelo qual os operadores podem conferir as legislações e regulamentações sobre aviação agrícola em todo o país, além de contarem com pareceres técnicos dos órgãos regulamentadores e pareceres jurídicos do Sindag. Ou seja, esclarecendo ao máximo as obrigações de cada um.
► Transparência frente aos diversos órgãos reguladores sobre as rotinas e peculiaridades das rotinas aero agrícolas nas bases dos operadores e no campo. Essa frente de ação é feita, por exemplo, com vagas para fiscais e mesmo turmas especiais para os agentes em cursos de executores e coordenadores de aviação agrícola, abrangendoabrangendo também o Curso de Aplicações Aéreas Remotas (Caar), destinado a operadores de drones agrícolas.
Esses cursos têm o intuito também de prevenir ruídos de comunicação e mesmo sanções descabidas. A exemplo do ocorrido em 2017, quando uma fiscalização do Ibama dentro da Operação Demeter (do Ministério Público) interditou um avião agrícola no Paraná pela falta de uma licença estadual que o próprio Estado havia informado não exigir dos empresários aero agrícolas (simplesmente porque era igual à licença já exigida pelo Mapa, junto ao qual estava tudo regular). Um ruído que acabou resolvido na esfera judicial, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu a tese de irregularidade da interdição, o que depois também foi admitido pelo próprio Ibama, em resposta ao processo administrativo que tramitava no órgão.
► Solicitação de mais operações de fiscalização em massa, especialmente pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que é o órgão diretamente envolvido com a regulação e controle da atividade aero agrícola. Neste caso, além de combater eventuais operações clandestinas, as ações acabam abrangendo também produtores e mesmo revendas de produtos. Aproveitando as forças-tarefas montadas pelo órgão, que reúne fiscais de vários Estados em cada região onde são feitas essas ações.
Pedido de fiscalização que foi atendido, por exemplo, com uma operação no Mato Grosso, onde uma força-tarefa liderada pelo Mapa inclui agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (Indea-MT). O trabalho mirou em operadores aero agrícolas clandestinos (produtores rurais que “alugavam” seus aviões, o que é proibido, já que apenas empresas aero agrícolas podem prestar serviços para terceiros) ou que tinham alguma irregularidade em suas operações. Além de também fiscalizar agrotóxicos ilegais nas fazendas – resultando em 25 autos de infrações e demonstrando que a fiscalização não só é necessária como possível. Lembrando que o MT é o Estado com a maior frota aero agrícola no país, com cerca de 600 aeronaves atuando em lavouras, segundo levantamento feito nos registros da Anac.
Além disso, em junho de 2021 o Sindag firmou parceria com a Agência Estadual de Defesa Sanitária, Animal e Vegetal do Mato Grosso do Sul (Iagro), para troca de informações e ações conjuntas para operações aero agrícolas 100% seguras no Estado. Com o lançamento também de um Guia para Aplicações Aéreas Seguras. Também em parceria com a Iagro (e outras entidades), o Sindag integra no Estado o programa AgroCooperação, que foca em ações de comunicação, boas práticas e convivência entre agricultores, aplicadores de insumos e apicultores.
E, desde 2022, a entidade integra o Grupo de Estudos Sobre Aviação Agrícola do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Mato Grosso (Crea/MT), cujo objetivo é reunir entidades e órgãos que atuam no segmento aero agrícola para a troca de informações e estratégias visando à segurança em campo. Isso inclui desde ações para a promoção de boas práticas entre operadores e produtores rurais até uma fiscalização mais eficiente sobre eventuais irregularidades.
Dentro do esforço de busca pelo diálogo e melhoria contínua, o sindicato aero agrícola também integra outros 22 comitês, câmaras, conselhos e diferentes grupos em todo o país – voltados para questões técnicas, ambientais, legislativas, de mercado ou outros temas:
BPA – Mesmo com a vasta regulamentação e do grande controle existente sobre a atividade, o setor aero agrícola também mantém ações próprias de melhoria contínua e transparência perante a sociedade. O exemplo mais recente é o programa Boas Práticas Aero agrícolas (BPA Brasil), que ocorre em parceria entre o Instituto Brasileiro da Aviação Civil (Ibravag) e o Sebrae Nacional. A iniciativa tem ainda o apoio do Sindag e da CropLife Brasil e prevê o aporte de R$ 3,4 milhões em capacitação das empresas aero agrícolas para a melhoria dos processos administrativos, uma gestão mais eficiente, aprimoramento da segurança operacional e a busca por novas tecnologias no setor. O projeto envolve 80 empresas e deve resultar em um selo de qualidade aeroagrícola.
MBA – O Sindag e o Ibravag promovem desde 2020 o MBA em Gestão, Inovação e Sustentabilidade Aero agrícola. Trata-se da primeira pós-graduação no mundo com esse tema voltada especificamente para o setor aero agrícola e é promovida em parceria com a BeEasy School. O curso tem 360 horas/aula e os encontros ocorrem via internet (em plataforma exclusiva), permitindo a participação de alunos de qualquer parte do país (e fora dele, se for o caso). Além disso, alunos que não possuem graduação universitária também podem fazer o curso, recebendo certificado de curso de extensão para cada etapa cumprida.
ACADEMIAS – Outra ação promovida pelas duas entidades aero agrícolas são as Academias de Tecnologia de Aplicação Aérea, de Segurança de Voo Aero agrícola, de Segurança Operacional na Manutenção e a de Líderes do setor. Elas ocorrem desde 2018 e são promovidas justamente para aprimorar os processos em campo, a gestão e a transparência e comunicação do setor aero agrícola com a sociedade. Os cursos contam com especialistas de cada área, além de palestras do pessoal do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Ministério da Agricultura e outros órgãos
SINDAG NA ESTRADA – O roteiro de reuniões itinerantes pelo país acontece desde 2017 e já cobriu todas as regiões do País abordando temas como mercado aero agrícola, cenários em cada região, ações de aproximação com a sociedade, boas práticas em campo e diversos outros temas. Só em 2022, as 11 edições dos encontros itinerantes chegaram a 1,1 mil pessoas diretamente ligadas ao setor, em seis Estados.
CAS – Criado em 2013, o programa Certificação Aero agrícola Sustentável (CAS) é o primeiro selo de qualidade ambiental da aviação agrícola. Ele é realizado pela Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais (Fepaf) em São Paulo e coordenado por três universidades públicas: a Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp-Botucatu) e as federais de Lavras (Ufla) e de Uberlândia (Ufu).
Certificações do mercado
Além de todo o trabalho institucional de segurança e do regramento legal sobre a atividade, as próprias empresas aero agrícolas têm buscado cada vez mais certificadoras da iniciativa privada para terem um plus de segurança perante clientes. Neste caso, comprovando a sintonia fina de todos os sistemas embarcados e mostrando não haver falhas nas faixas de aplicação.
Caso, por exemplo, de ferramentas como a Sabri – Sabedoria Agrícola e a AgroEffetiva, que são “clínicas de aviação” onde os sistemas de pulverização são testados milimetricamente em voos sobre um fio sensível, esticado perpendicularmente na faixa de aplicação. Esse fio é retirado e “lido” em um equipamento com software especial para avaliação da precisão. Onde é possível ver exatamente qual dos bicos precisa ajuste fino para ter uma aplicação perfeita em cada faixa sobre a plantação.
Ao mesmo tempo, os clientes de tais operadores também contam com serviços de monitoramentos que avaliam a precisão das aplicações contratadas – caso da Perfect Flight. Onde a mínima perda por uma eventual sobreposição e faixa ou algum ponto em que um dos bicos não funcionou adequadamente já implica em multa no contrato de serviço e/ou, no mínimo, desconto no pagamento do serviço. Trata-se de opção que segue uma tendência de crescimento, já que é interesse de todos os produtores garantir que não haja perdas no trato de suas lavouras.
Mesmo com toda a sua tecnologia e controle, a aviação agrícola é (ironicamente) vítima de sua própria transparência. Situação que tem como ingredientes o fato de que a sociedade em geral desconhece as rotinas e as necessidades do campo, somado ao medo e aos riscos do uso de agrotóxicos, aliado ainda a uma fiscalização muitas vezes deficiente de recursos (e às vezes também de conhecimento). Isso somado à falta de dados amplos sobre o uso de agrotóxicos e ainda o perigo dos produtos ilegais.
Receita que potencializa também a criação de estereótipos sobre o setor com o surgimento de mitos que, em tese, não deveriam sobreviver a um exercício simples de lógica.
Confira os principais:
FATO: A deriva (quando a nuvem do produto se desloca para fora da faixa de aplicação) é realmente um risco, mas que pode ocorrer tanto na aplicação aérea quanto na terrestre (mesmo com pulverizadores costais), quando não são observadas as condições meteorológicas ideais como a umidade relativa do ar, vento e temperatura, da regulagem dos equipamentos.
Depende dos cuidados na hora da aplicação e não da ferramenta. E aí o avião, na verdade, leva vantagem sobre os equipamentos terrestres, já que pela sua velocidade a precisão consegue iniciar e terminar uma área antes da mudança dos parâmetros ideais. Ou seja, aproveita melhor a janela de aplicações.
Isso foi inclusive tema de uma pesquisa de campo ocorrida em 2017, em Goiás, em uma parceria entre o Sindicato Rural de Rio Verde, Universidade de Rio Verde, Instituto Federal Campus Rio Verde, Sindag e outras entidades. Na ocasião, os testes foram realizados com avião, pulverizador autopropelido terrestre e pulverizador costal. Todos fazendo uma aplicação com água em momento de parâmetros ideais de aplicação e outra aplicação com parâmetros adversos (muito vento, por exemplo). A análise de até onde foram as gotas foi feita com uso de papéis hidros sensíveis amarelos (onde o ponto de contato de cada gota captada fica azul).
As três ferramentas tiveram deriva para fora da área delimitada, na simulação da aplicação irregular (com vento, temperatura e umidade fora dos parâmetros).
E aí veio a ironia: para o equipamento costal, os papéis hidros sensíveis foram colocados a uma distância de até 30 metros perpendicularmente ao traçado de aplicação – os próprios pesquisadores acharam que não seria necessário mais do que isso. Resultado: pelo tamanho e grande quantidade de gotas presentes no último ponto de captação, ficou claro que a deriva havia ido muito mais longe, tornando o teste inconclusivo para a ferramenta.
A falsa percepção por parte da sociedade – e mesmo de alguns técnicos, agentes fiscais e pesquisadores – de que a deriva é algo inerente apenas à aviação agrícola acabou tendo um capítulo revelador no Rio Grande do Sul, em 2018. No final daquele ano, diversos produtores da Metade Sul do Estado denunciaram perdas de lavouras de videiras, oliveiras e outros produtos devido à deriva de herbicidas hormonais.
Sem se detectar imediatamente a origem da deriva, alguns produtores de uvas e até jornalistas chegaram a publicar comentários de produtores que suspeitavam de aplicação aéreas – justamente pelo estereótipo de que a perda de produtos seria algo inerente ao avião, o que o Sindag na época se apressou em desmistificar. Só que não apenas os casos não haviam sido provocados por aeronaves como eles voltaram a se repetir, fazendo com que a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul (SEAPDR) iniciasse uma verdadeira força-tarefa para identificar os agricultores e aplicadores que utilizaram o produto, bem como as revendas de agrotóxicos que o forneceram.
O tema passou a ser discutido por um Grupo de Trabalho criado pela SEAPDR no início de 2019 e, diante da percepção da falta de alcance satisfatório da legislação sobre as operações terrestres, a partir daquele mesmo ano o Estado baixou uma série Instruções Normativas criando Termo de Conhecimento de Risco para quem adquire tais produtos, estabelecendo um cadastro de culturas sensíveis. Além de normas especiais para a venda dos produtos e, especialmente, passando a exigir cadastro e curso específico para os aplicadores terrestres. Regras que valeram inicialmente para os 24 municípios que sofreram com os casos de derivas em aplicações terrestres.
Foi o primeiro Estado a fazer tais exigências de aplicadores terrestres – já que não havia regulamentação federal.
E, para completar, iniciou também inspeções em pulverizadores terrestres (foram 849 até 2022). Nas fiscalizações em propriedades, só entre julho de 2019 e dezembro de 2021, agentes da Secretaria de Agricultura gaúcha fizeram mais de 1 mil fiscalizações e lavram 347 autos de infração.
As ações do governo gaúcho abrangeram ainda a contratação de laboratório para análise de derivas e a instalação de 70 estações meteorológicas. Estas conectadas ao Sistema de Monitoramento e Alertas Agroclimáticos, que entre as informações voltadas para os produtores, emite alertas específicos sobre as condições para aplicações de 2,4-D e outros herbicidas (em quatro níveis, do Recomendável ao Nível Máximo para Não Recomendação). Entre outras ações que podem ser conferidas no relatório elaborado em julho do ano passado pela SEAPDR clicando AQUI.
Além disso, recentemente (em agosto de 2023), o assunto foi tema de uma reportagem da RBS TV – emissora afiliada da Rede Globo no Estado, abordando justamente a redução de 108 para 43 casos de prejuízos com deriva terrestre em quatro anos de vigência do programa. Clique AQUI para assistir.
O esforço para treinamento e cadastro de aplicadores terrestres gaúchos começou pelas cidades com maior incidência de uso de herbicidas hormonais. Porém segundo estimativas da Secretaria de Agricultura, o Estado tem quase 90 mil usuários desse tipo de produto, para os quais devem ser necessários cerca de 60 mil aplicadores treinados e cadastrados – eram cerca de 10 mil até o início do ano.
O cronograma para completar esse número vai até 2026 e agora coincide com o cronograma do próprio Ministério da Agricultura – que no ano passado também resolveu colocar os aplicadores terrestres no mapa e anunciou seu Programa Nacional de Habilitação de Aplicadores de Agrotóxicos (Aplicador Legal). Cujo objetivo é cadastrar, também até 2026, produtores e trabalhadores rurais que manuseiam agrotóxicos no Brasil. Com a expectativa de capacitar e registrar pelo menos dois milhões de agricultores.
Uma multidão que ainda não aparece nas estatísticas sobre aplicações de produtos em lavouras e que, na verdade, tende a ser bem maior. Isso levando-se em conta os números de áreas atendidas por tratores, estacionários e pulverizadores costais revelados lá no Censo Agro de 2006, do IBGE – confira na página 19.
FATO: Esse é um mito bastante repetido contra o setor e sempre “colado” ao argumento da deriva, variando o índice de perda conforme a fonte que o menciona. Mas sempre relatando grandes exageros, embora não sobreviva a um exercício simples de lógica: considerando o altíssimo custo dos produtos aplicados em lavouras, é óbvio que nenhum agricultor contrataria os serviços de um avião com uma perda dessas. Ou seja, o próprio mercado teria eliminado a ferramenta – não só no Brasil, mas nos Estados Unidos, em quase toda a América Latina, Canadá, Austrália e outros países em que ela se faz presente.
Sobre o “altíssimo custo dos produtos aplicados”, tomamos por exemplo o caso da soja, milho, cana-de-açúcar e algodão – algumas das principais lavouras atendidas pela aviação, onde o gasto com agrotóxicos pode chegar fácil a 20% das despesas de custo da lavoura, conforme a região. Um percentual alto que, somado aos riscos do clima e outras variáveis que influenciam na produtividade e no preço no mercado, faz com que a agricultura em grande escala (onde mais atua a aviação) não tolere o prestador de serviço que tenha perdas de insumos.
Para ilustrar melhor o quão caro são os agrotóxicos (cujos valores podem ser conferidos no próprio site da Campanha Nacional de Abastecimento/Conab – clicando AQUI), basta dizer que seguidamente uma carga de produto levada por um avião agrícola equivale ao preço de um automóvel de luxo zero quilômetro.
Assim, fica óbvio que se a aviação agrícola tivesse mesmo o mínimo risco de perdas maiores do que um trator (por exemplo), o próprio mercado já teria abolido a aplicação aérea. E vale frisar: o risco de contaminação ocorre sempre que as ferramentas não são utilizadas de maneira correta. E, para completar, o avião é o que mais dificilmente consegue esconder uma aplicação mal feita, já que é sempre vista e tudo o que faz fica registrado.
Sobre o mito da perda exagerada, ele normalmente é mencionado em citações bibliográficas que se referem a citações de citações, mas sem nunca ser posto à prova. Porém, segundo artigo do professor Ulisses Antuniassi, da Unesp/Botucatu, que pesquisou sua origem, ele vem de estudo de química analítica dos anos 80, que não se refere à aviação agrícola, mas vem sendo repetido em citações de citações a cada novo trabalho em que é aproveitado.
Já quanto à visão equivocada de que a deriva é algo inerente apenas ao avião, a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) divulgou em 2013, um estudo mencionando que, entre 2009 e 2012, o órgão investigou 88 casos de deriva, a maioria deles em aplicações com pulverizadores terrestres, dos quais 47 geraram processos. Dados que se tornam uma importante referência sobre o quanto o debate sobre a segurança em campo é direcionado por estereótipos e precisa ser aprofundado. Levando em conta ainda que o Paraná é o Estado com a quarta maior frota aero agrícola entre as 24 unidades da Federação onde a ferramenta está presente.
Tendo em vista que a Embrapa muitas vezes é citada como fonte desse mito, vale lembrar que a estatal de pesquisas agropecuárias e o Sindag realizaram, entre 2013 e 2017, o maior estudo até hoje feito no país sobre tecnologias de aplicações de insumos em lavouras.
O trabalho abrangeu o Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país e resultou em uma Nota Técnica atestando a segurança da aviação. O documento também reforçou a necessidade de um debate livre de preconceitos sobre o tema para se estabelecer no país uma política de segurança alimentar e energética. A Nota também esclareceu que as aplicações aéreas em lavouras, quando feitas dentro dos parâmetros técnicos recomendados (recomendados para qualquer ferramenta), são perfeitamente seguras do ponto de vista da saúde das pessoas e do meio ambiente (assim como qualquer ferramenta).
Por outro lado, verificando-se referências de pesquisas anteriores da própria Embrapa – para se chegar ao estudo que faz com que a estatal seja citada (quase sempre de forma superficial) como tendo corroborado o mito da perda exagerada, chega-se a uma série de pesquisas feitas em 1999, pelo pesquisador Aldemir Chaim.
Os estudos envolveram aplicações de aviões, tratores e pulverizadores costais, avaliando derivas em diversas lavouras e situações variadas, estudos sobre a quantidade de agrotóxicos que ficam sobre as roupas dos aplicadores costais. E não determinam maior risco da aviação em relação às outras ferramentas.
Além disso, se testou um algoritmo para computador para fazer a leitura dos papéis hidros sensíveis usados em campo para avaliar a eficiência de insumos. O que, neste caso, representou um ganho de três dias para cinco minutos na avaliação dos cartões. E, para completar, os estudos de 24 anos atrás tiveram como objetivo justamente aperfeiçoar técnicas de controle de deriva.
Ao mesmo tempo em que elas corroboram o quanto a tecnologia e as regulamentações, aliadas ao treinamento e fiscalização, são necessários (ainda mais levando-se em conta os dados do Censo Agro do IBGE mencionados na página 19). Ratificando também a necessidade do debate amplo preconizado na Nota Técnica resultante da parceria Sindag/Embrapa e demonstrando o quanto “demonizar” a ferramenta aérea pode na verdade provocar o efeito contrário ao que alegadamente se pretende ao tentar proibir (em nome da luta contra o agronegócio) a única ferramenta especialmente regulada, a mais transparente e a cujo segmento mais investe em transparência e boas práticas.
FATO: De novo: os mesmos defensivos aplicados por aviões são usados também em aplicações terrestres e a contaminação se dá basicamente pelo seu mau uso (há dosagens, métodos e momentos certos para cada aplicação). E, nesse ponto, a segurança da aviação agrícola é atestada pela própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – através de seu Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA).
Estudo que em seu histórico, desde 2007, têm apontado contaminações especialmente em produtos que não são atendidos pela aviação agrícola.
Mais do que isso, seu último relatório (divulgado em 2019 e com pesquisas feitas entre 2017 e 2018, com 12 mil amostras de alimentos em 27 Estados) mostrou que as lavouras atendidas pela aviação (como arroz, milho, trigo e banana) aparecem com 0% de contaminação. Aliás, o caso do arroz é o mais emblemático da segurança aero agrícola, já que é uma cultura onde a ferramenta aérea está presente desde os anos 1950 e atualmente é responsável pelo trato de 70% de suas lavouras no país.
Confira AQUI os relatórios
FATO: Não há como isso ocorrer. Trata-se de uma ferramenta complexa de operar e altamente regulada. Além de extremamente visível (ninguém consegue esconder um avião em uma lavoura).
Na verdade, quando ela entra em cena é justamente para racionalizar as aplicações: menos retrabalho, menos produtos aplicados e menos perdas – se não fosse assim, ela não seria nem viável economicamente.
FATO: Na verdade, esse trabalho integrou uma ação do órgão para promover o intercâmbio de informações sobre aplicação aérea e desenvolver um código de boas práticas para essa atividade. Assim, os dados foram compilados, na verdade, a título de conhecimento para os membros da entidade, não com a intenção de novas restrições ou mesmo proibições. Até porque, entre os países membros da OCDE, alguns possuem aviação agrícola robusta e tradicional, como Estados Unidos (que tem a maior frota mundial do setor), Canadá, México, Israel e Austrália e outros.
A iniciativa integrou um esforço iniciado em 2010 pelo Grupo de Trabalho de Agrotóxicos, que abrangeu seminários para avaliação de riscos, benefícios, aprimoramento de técnicas, colaboração internacional para pesquisas sobre o setor e outras ações. E, claro, prevendo (para os membros da Europa) a entrada em vigor, em 2021, da diretriz do Parlamento Europeu estabelecendo as situações em que a aviação agrícola poderia ser usada entre seus estados-membros. Aliás, nesse caso, com restrições prevendo basicamente exigências similares às da regulamentação brasileira: uso de produtos aprovados para pulverização aérea; operador certificado para esse tipo de operação; não aplicar próximo a áreas ambientalmente sensíveis e ter aeronaves equipadas com a melhor tecnologia disponível.
Além disso, embora a diretriz europeia fale em proibição, na prática ela determina que a aplicação aérea deve ser feita apenas quando a terrestre for muito difícil ou impossível. E aí é importante observar que os países europeus têm uma realidade de propriedades menores do que no Brasil. Além do fator inverno, que diminui muito a incidência das pragas e a urgência de seu combate.
Ao mesmo tempo, vale lembrar que a França e Espanha, por exemplo, estão liberando a pulverização aérea por drones. Sem falar que os espanhóis ainda realizam regularmente pulverizações aéreas por aeronaves contra mosquitos em cidades turísticas.
FATO: Embora essa informação seja seguidamente citada como argumento contra a aviação agrícola, é importante frisar: não é na aviação agrícola que isso ocorre, independentemente do número estar ou não correto. Não é na aviação agrícola que isso ocorre. Para corroborar isso, vale trazer à luz os dos dados do IBGE:
Por exemplo, o Censo Agro de 2006, que mostrou que, naquele ano, foram realizadas em todo o Brasil aplicações de agrotóxicos com pulverizadores costais em 973 mil propriedades rurais, contra aplicações com tratores em 379 mil propriedades, com pulverizador estacionário (onde entra o pivô central) em 74 mil propriedades e 10 mil propriedades tiveram aplicações aero agrícolas – confira AQUI (página 539).
Já o Censo Agro de 2017 (o mais recente até agora) não esmiuçou tanto esses dados, mas também traz uma contribuição importante sobre o tema: de acordo com a pesquisa, 15,6% dos produtores que utilizaram agrotóxicos no Brasil não sabiam ler e escrever e, destes, 89% declararam não ter recebido qualquer tipo de orientação técnica.
Dos produtores alfabetizados que utilizam agrotóxicos no país, 69,6% possuíam no máximo o ensino fundamental e, entre eles, apenas 30,6% declararam ter recebido orientação técnica a respeito da aplicação do produto.
Reforçando que os produtos aplicados pela aviação são aplicados também pelos meios terrestres e os mesmos riscos quanto à deriva. Porém, lembrando que no caso da aviação praticamente todos os envolvidos são no mínimo técnicos e, quando o avião voa, ninguém está na lavoura:
– Piloto que precisa ter licença de piloto comercial e 370 horas de voo para poder entrar em uma escola de pilotos agrícolas (onde aprende a técnica do voo baixo, toxicologia e meio ambiente, como usar a tecnologia de aplicação embarcada e outras matérias.
– Engenheiro agrônomo com curso complementar específico coordenando cada operação e, na equipe de solo apoiando o avião, um técnico agrícola com especialização nesse tipo de operação.
FATO: Isso tanto não é verdade, que o único caso em que tal proibição ocorreu em nível estadual (e que esteve em discussão no STF, que considerou a norma constitucional) serviu justamente para comprovar o equívoco. Segundo o relatório do Programa Nacional de Vigilância de Populações Expostas a Contaminantes Químicos no Ceará – publicado em janeiro de 2023, os casos de contaminação no Estado tiveram uma redução entre 2016 e 2018, quando a aviação ainda atuava no Estado. No entanto, o volume de contaminações teve uma alta em 2019, justamente quando a lei de proibição da aviação agrícola entrou em vigor no Ceará.
Além disso, em 2020 e 2021 (mesmo sem aviação no Estado) o número de casos não ficou abaixo dos três anos anteriores à proibição, quando a aviação ainda atuava – confira na tabela na página 16 do relatório mencionado acima. E sequer o número de revendas de agrotóxicos no Estado diminuiu, demonstrando que não é a ferramenta que determina o uso dos produtos.
A falta de profundidade na discussão sobre o problema dos agrotóxicos no Ceará foi potencializada ainda pelo sentimento de revolta causado pela falta de resposta minimamente satisfatória do Estado ao assassinato do líder comunitário José Maria Filho, conhecido como Zé Maria do Tomé – morto com mais de 20 tiros em uma emboscada em 21 de abril de 2010.
Presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais Sem Terra da Chapada do Apodi, Zé Maria teria sido assassinado por sua luta sobre questões fundiárias. Que por sua vez têm raízes no próprio projeto de exploração do potencial agrário da região da Chapada do Apodi, no lado cearense (a Chapada também avança sobre território do Rio Grande do Norte), no final dos anos 1980. Na época de implantação do projeto, quem tinha título de sua terra foi indenizado pelo valor da propriedade e, quem tinha apenas a posse, teria recebido apenas o valor arbitrado pelas benfeitorias – multiplicando o descontentamento de pequenos produtores locais.
Assim, com o passar do tempo, infelizmente, a aviação passou a ser combatida muito mais como um símbolo do agronegócio do que propriamente como a causa direta do sofrimento das pessoas. E o setor ainda acabou recebendo indiretamente a carga de um anseio por casos de ameaças e até problemas pela falta de cuidado (independente da ferramenta e do tamanho da lavoura) com uso de agrotóxicos. Culminando com a revolta da população pela inércia do próprio Estado em dar uma resposta satisfatória para um crime de morte.
Assim, comparando-se a realidade do setor aero agrícola (ampla legislação, registro das operações, alcance da fiscalização e predicados de sua tecnologia de precisão) frente aos principais mitos e verdades sobre a ferramenta, torna-se gritante o quanto o enredo em torno do assassinato (até hoje não resolvido) de Zé Maria do Tomé é emblemático sobre os equívocos frequentemente cometidos nos debates sobre a ferramenta aérea. Principalmente no que tange ao preconceito contra o agronegócio, potencializados pelo tempero político e pela polarização da sociedade.
Sem falar que todas as operações geram relatórios minuciosos – que ficam à disposição de fiscalizações de diversos órgãos e têm seus resumos enviados ao Ministério da Agricultura, entre outras obrigações exclusivas. Além de não haver aumento no uso de agrotóxicos (pelo contrário: rapidez e precisão são predicados para a diminuição da necessidade de insumos – principalmente por evitar a necessidade de retrabalho).
… e da vilanização
Assim, combater uma ferramenta como um símbolo ao invés de se discutir e enfrentar de maneira direta os problemas do campo serve apenas para acirrar antagonismos e aprofundar a polarização. Em última instância, premiar o discurso irracional e punir a boa vontade, gerando insegurança ao setor produtivo e desmotivando o desenvolvimento tecnológico.
De parte do Sindag, a entidade historicamente tem procurado o diálogo – com autoridades, comunidades, políticos, órgãos reguladores, academia e todos os setores que ajudem a tornar o setor mais eficiente e seguro. Ao mesmo tempo em que realiza um forte trabalho interno de melhoria contínua e legalidade em todas as atividades de suas associadas – atualmente 245 empresas, representando cerca de 90% das aero agrícolas em atividade no país.
É bom ressaltar que o uso de agrotóxicos exige responsabilidade e cuidado. E aí é salutar o olhar crítico da sociedade e vigilante das autoridades. Quando há falhas, seja por meios terrestres ou aéreos, elas devem ser corrigidas e, se for o caso, punidas. Mas é no mínimo irracional achar que a solução para qualquer problema de má prática no uso de agrotóxicos em campo seja proibir a única ferramenta de aplicação altamente regulada e fiscalizada. Logo, a mais segura.
Confira abaixo a legislação que incide sobre a aviação agrícola:
Decreto – Lei número 917, de 07 de outubro de 1969 – Normatiza a atividade da aviação agrícola;
Decreto número 86.765, de 22 de dezembro de 1981 – Regulamenta o decreto lei número 917, de 07/10/69 (em processo de atualização);
Instrução Normativa número 02, de 03 de janeiro de 2008 – Normas Técnicas de Trabalho da Aviação Agrícola;
Instrução Normativa número 07, de 20 de setembro de 2004 – Estabelece condições especiais para aplicação de fungicidas na bananeira;
Instrução Normativa conjunta MAPA-IBAMA número 01, de 28 de dezembro de 2012 – Dispõe sobre a aplicação dos ingredientes ativos Imidacloprido, Clotianidina, Tiametoxam e Fipronil;
Instrução Normativa número 15, de 10 de maio de 2016 – Equipamentos agrícolas com uso aprovado pelo MAPA;
Nota técnica SMAA/DFPV número 01/2004, de 20 de janeiro de 2004 – Esclarece competências dos órgãos federais e estaduais na fiscalização das atividades da Aviação Agrícola;
Orientação Técnica CGA número 01/2011, de 06 de setembro de 2011 – Procedimentos para fiscalização do uso de aviação agrícola;
Informação CJ número 749/96, de 29 de maio de 1996 – Fiscalização da aplicação de agrotóxicos pela aviação agrícola
Portaria número 190/GC-05, de 20 de março de 2001 – Instruções reguladoras para autorização de funcionamento de empresas de Táxi Aéreo e Serviço Aéreo Especializado;
Regulamento Brasileiro de Aviação Civil Especial (RBAC) 137, de 30 de maio de 2012 – Certificação e requisitos para operações aeroagrícolas (em processo de atualização);
Resolução número 342, de 09 de setembro de 2014 – Dispensa a entrega dos documentos previstos na Portaria 218/SPL;
Decisão número 169, de 19 de dezembro de 2014 – Fixa interpretação a respeito da aplicabilidade de dispositivo do RBAC 137, referente à sede operacional de empresa aeroagrícola;
Instrução Suplementar número 137.201 B, de 10 de janeiro de 2013 – Uso do etanol em aeronaves agrícolas;
Portaria nº 298, de 22 de setembro de 2021 – MAPA– Mistura de agrotóxicos ou afins em tanque;
Portaria número 67, de 30 de maio de 1995 – MAPA/DAS – Estabelece regras para operação de aeronaves remotamente pilotadas destinadas à aplicação de agrotóxicos e afins, adjuvantes, fertilizantes, inoculantes, corretivos e sementes
Instrução Suplementar número 43-012 A, de 25 de março de 2013 – Manutenção preventiva de aeronaves por pilotos;
Instrução suplementar número 137-001 A, de 18 de dezembro de 2014 – Orientações relativas a equipamentos dispersores;
Instrução suplementar número 137 – 002 B, de 15 de outubro de 2015 – Orientações quanto à instalação de Equipamentos GPS, com correção Diferencial.
Regulamento Brasileiro de Aviação Civil Especial (RBAC-E) nº 94 – Regulamenta o uso de drones agrícolas;
Lei número 7.802, de 11 de julho de 1989 – Lei dos agrotóxicos;
Decreto número 4.074, de 4 de janeiro de 2002 – Regulamenta a lei 7.802 dos agrotóxicos;
Lei número 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA);
Lei número 7.183, de 05 de abril de 1984 – Lei do Aeronauta
MCA 58-17 – COMAER – Manual do Curso de Piloto Agrícola – Avião
ICA 100-39/2015 – DECEA – Operações Aeroagrícolas;
RBAC número 120 – ANAC – Emenda número 2, de 10 de junho de 2014 – Programa de prevenção de risco associado ao uso indevido de substâncias psicoativas na aviação civil.
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